Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
da qui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de
cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que
faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles
admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para
discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da
minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de
sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
*Mário Raul de Morais Andrade, poeta, novelista, ensayista y musicólogo brasileño. Fue uno de los miembros fundadores del modernismo brasileño.
(São Paulo, 9 octubre 1893 - Ib., 25 febrero 1945)
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